terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Primavera no Coração

Quando sente- se a si mesma mulher pela primeira vez? A pergunta ocorreu- me de repente no meio da tarde. Não lembrava- me quando pela primeira vez senti- me de fato mulher. Achei que isso era coisa que se sente desde a infância por intuição mesmo, mas não era não. A questão sobressaltou- me por que na televisão havia uma repórter falando de como algumas mulheres por alguma razão que não lembro ou por que não ouvi direito não sentiam- se simplesmente mulheres. Passei ao questionamento de mim mesma, e eu? Quando senti que eu era mulher? Essas idéias parecem ser filosóficas, mas não o são, são coisas que dizem respeito ao corpo e a alma e por isso mesmo difíceis de ser definidas e respondidas. Não sei se todas as meninas passam por esse tipo de questionamento, mas o fato é que eu havia passado e agora lembrava numa névoa dessas situações.
         Quando somos ainda muito meninas, arde em nós o desejo de crescer e tornar- se senhoras, donas de suas vidas e de toda a sabedoria do mundo. Eu tinha a nítida sensação de que a sabedoria do mundo estava escondida dentro das mulheres, eram elas sem dúvidas quem sabiam de tudo, do passado e mais precisamente do futuro. Minha mãe sempre sabia do futuro e previa sempre que algo aconteceria. - Como a senhora sabe? Eu menina perguntava ávida para entender de onde me viria àquela resposta. – Eu simplesmente sei que será assim. Era o que eu ouvia e sem entender muito bem esperava pala concretização da profecia. Para mim as mulheres sempre foram proféticas, sacerdotisas, benzedeiras, adivinhadoras da vida e do destino. Certa vez minha mãe me olhou e disse: - Tu tens a paz dentro de ti, tu és a própria paz personificada. E ela ainda murmurou baixinho: - Tu irás longe, muito longe. Eu escutei aquilo e guardei dentro de mim como alguém que guarda um segredo a cerca de si mesmo, como Maria que guardara o segredo do seu menino Jesus, no silencio da alma que espera a conclusão da vida. A curiosidade desperta dentro da alma guardou a sentença de minha mãe secretamente e todas as noites eu a entregava ao meu anjo da guarda por que não queria ir muito longe para não me perder de mim mesma. Mas às vezes a vida nos leva a caminhos e descaminhos, às vezes podemos escolher, outras a própria vida escolhe- nos. Minha mãe o sabia que se eu não escolhesse a vida se encarregaria de fazer isso por mim escolhendo- me. A idéia de que não poderia fugir de um destino aterrorizava- me, e se meu destino fosse trágico? E se a vida me escolhesse a tragédia como destino? Meu coração não sossegava nessas horas de perguntas sem respostas e fechava meus olhinhos em petição ao anjo da guarda: -Guardai- me e defendei-me de mim mesma que tenho medo de ser o que não devo, tenho medo de não ter para onde ir, mas também tenho medo de ser o que inevitavelmente serei. A paz personificada nesses momentos sumia e alojava- se dentro de mim a angustia de ser uma destinada. Minha mãe bem sabia que eu não me perderia do caminho a ser percorrido, mas eu tinha as minhas duvidas porque a insegurança e o desconhecido atraíam- me sedutoramente.
         Foi numa seqüência dessas dúvidas que percebi- me mulher pela primeira vez. Eu era ainda menina, quase moça na verdade e já sentia em mim a atração por aventuras, sedução por coisas que nunca antes havia pensado. Minha mãe uma bela manhã observando- me nos afazeres domésticos disse- me sem mais: você será uma bela moça e deixará os rapazes cegos de amor. Confesso que aquele comentário encontrava destino certeiro dentro de meu coração ainda de menina e naquele momento senti- me diferente, uma doçura perpassou minha alma, uma doçura que transformou- se em orgulho feminino. Senti- me uma rosa entre aberta, sem jeito ainda, mas um botão de rosa a descobrir que fora tecida para vir a desabrochar. Senti- me grandiosamente um mistério porque nem eu mesma sabia o que era aquele desabrochar, só sabia sentir aqui, nas profundezas de mim como se aqui dentro eu já estivesse sendo preparada pela natureza para deixar de ser menina e naquele momento pelo comentário de minha mãe intuitivamente eu perscrutava a natureza a realizar seu trabalho de tecitura de mulher. Essa foi minha primeira experiência com a idéia sagrada de ser mulher, de saber- me mulher, de sentir- me feminina, na inocência de me sentir desabrochar sem saber ao certo se já era isso mesmo, mas eu sentia que era sim e que em mim já chegava a primavera da vida.



Nenhum comentário:

Postar um comentário